Cleanin' Out My Closet / Headlights - Eminem
- Karen Regina Amorim Carmo
- 29 de out. de 2023
- 5 min de leitura
Atualizado: 5 de fev.
Há uns dias, falei sobre como a faxina externa era um indício de que eu estava fazendo uma faxina interna também. Nós, como seres humanos, somos movidos por emoções que desencadeiam diversas reações e o processo de aprender a lidar e regular nossas próprias emoções faz parte do nosso desenvolvimento pessoal.
Quando eu era adolescente, a música "Cleanin' Out My Closet" do Eminem fazia muito sucesso. No auge dos descontroles hormonais da adolescência, com muita raiva gritando para ser estirpada, compreendia a agressividade na voz do rapper que representou milhares de jovens que precisavam desabafar suas mágoas.
"Todas essas comoções e emoções correm como profundos oceanos explodindo
É o temperamento explosivo dos pais, só ignoro e sigo em frente"
A adolescência, por si só, é uma fase marcada por tranformações hormonais, mudanças fisiológicas e psíquicas que culminam em oscilações de humor, explosões e muita sensação de inadequação. É a fase em que o desejo de se afastar de tudo ligado à infância se intensifica, a necessidade de busca pela própria identidade ganha proporções estrondosas e todo esse processo é refletido na vontade de se distanciar dos cuidadores principais para que possam se autoafirmar. Se a infância tiver sido marcada por muitos eventos traumáticos, o sentimento de revolta e comportamentos "rebeldes" são inevitáveis.
"Eu tenho alguns segredos do meu passado e não sei se alguém sabe
Então antes que me joguem dentro do caixão e o fechem
Eu vou expor eles, vamos voltar ao ano de 1973
[...]
Eu era um bebê, talvez eu tinha uns dois meses
O viado do meu pai devia estar irritadinho com alguma merda
Pois ele partiu, e eu me pergunto se ao menos me deu um beijo de despedida
Não, não, pensando melhor, só queria que ele tivesse morrido"
O que me chamou muita atenção ao pensar recentemente nessa música foram duas coisas.
1º o próprio nome da música que em tradução livre pode significar algo como "Desabafar", ou seja, colocar para fora todos aqueles sentimentos e palavras engasgados, tudo o que escondemos dentro do nosso próprio armário, mas que exige ser posto para fora. Eminem ao escrever e performar essa música com tanta ferocidade na voz, fez uma higiene mental em si próprio.
"Me desculpe, mãe
Eu nunca quis te machucar
Eu nunca quis te fazer chorar
Mas hoje à noite, eu vou desabafar"
2º Toda a mágoa que o Eminem tinha da própria mãe, justa e inequívoca, infelizmente, também estava pautada numa imaturidade própria da fase em que escreveu, bem como no machismo da época, enraizado no patriarcado que o faz culpar a mãe sem perceber que ela era uma mulher jovem, pobre, abandonada pelo companheiro, que provavelmente estava em profunda depressão e sem uma rede de apoio que a permitisse dividir a sobrecarga da maternidade.
"Uma coisa que eu nunca perguntei foi
Onde diabos meu pai malandro estava
Foda-se, eu acho que ele teve problemas
Para acompanhar todos os endereços
Mas eu teria virado todo colchão
Toda rocha e cacto do deserto
Possuiria uma coleção de mapas e seguiria minhas filhas"
Os tempos mudaram e na última década, além de falarmos mais sobre saúde mental e sobre a condição da mulher e mãe na sociedade, pudemos, também, ter acesso à informação e sobre o quão comum, infelizmente, é a condição de pessoas que viveram como Eminem e sua mãe.
"Eu fui de cabeça
Nunca pensando sobre quem o que eu disse machucou
Em qual verso
Minha mãe provavelmente recebeu o pior
O peso disso, mas tão teimosos como somos
Eu levei isso longe demais?
"Cleanin' Out My Closet" e todas aquelas outras músicas
Mas independente disso eu não te odeio, porque mãe
Você ainda é linda pra mim, porque você é minha mãe"
Foi uma grata surpresa descobrir que anos mais tarde, Eminem, já adulto, na casa dos 40 anos, reviu sua própria história e resolveu pedir desculpas à mãe, Debbie Mathers, a quem por diversas vezes humilhou em suas composições.
"E eu estou bravo porque não tive a chance de
Te agradecer por ser minha mãe e meu pai
Então Mãe, por favor aceite essa como um tributo"
Crescer, amadurecer e chegar a um lugar de perdão, mesmo que para se libertar das próprias mágoas é relativamente comum, mas o fato de ele ter conseguido escrever palavras de perdão sem excluir suas dores ou maquiar a realidade do que viveu também chama a atenção.
"Apesar de estar longe de você ser calma
A nossa casa era o Vietnã
Tempestade do Deserto e nós dois juntos
Poderíamos formar uma bomba atômica
Equivalente à guerra química
E para sempre poderíamos arrastar isso adiante
Mas, concordamos em discordar
[...]
Qualquer coisa para irritar um ao outro
Por que estamos sempre na garganta um do outro?
Especialmente quando o pai, ele fodeu nós dois
Nós estamos na mesma porra de barco
Você pensou que isso iria nos aproximar, não
Isso nos distanciou mais"
Ao meu ver, essa é a verdadeira jornada que devemos percorrer... Aprendermos a nos acolher ao mesmo tempo que nos responsabilizamos pelas nossas próprias dores e atitudes. É conseguirmos olhar pra frente, sem apagar o que nos levou até o momento presente. É perceber que, de modo geral, não existem vilões ou mocinhos na nossa história, mas pessoas normais, que fizeram coisas boas ou ruins, que também sofreram em seu caminho e que não souberam interromper o fluxo de desastres, fazendo com que resvalasse em nós.
"E eu era o homem da casa, o mais velho Então meus ombros carregavam o peso da carga Depois o Nate foi levado pelo Estado aos 8 anos de idade E foi aí que eu percebi que você estava doente E não era possível consertar ou mudar E até hoje permanecemos afastados E eu odeio isso, mas Acho que nós somos quem somos"
Coisas ruins acontecem... Aconteceram e continuarão a acontecer... mas sigo em frente no processo de entender, ressignificar, acolher e me responsabilizar por somente aquilo que é meu.
"Porque até hoje nós permanecemos afastados e eu odeio isso
Porque você nem pôde testemunhar suas netas crescerem
Mas me desculpe mamãe pela "Cleanin' Out My Closet"
Na época eu estava com raiva
Com direito, talvez sim
Mas eu nunca quis levar isso tão longe, porque
Agora eu sei que não é culpa sua
[...]
Mas mãe, eu te perdoo, assim como o Nathan
Tudo que você fez, tudo que você disse
Você fez o seu melhor para criar nós dois
Assistência social, essa cruz você carrega
Poucas podem ser tão pesadas quanto a sua
Mas eu te amo, Debbie Mathers"
Eminem finaliza sua música externalizando um desejo: "Eu quero uma vida nova".
Acho que é o que todos queremos conforme vamos encarando as dores do que é viver...
Eu penso que caminho todos os dias em direção a esse querer. Paradoxalmente, minha nova vida é a vida que eu vivo desde que nasci.


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