top of page

1. Cuidar e ser cuidado em tempos modernos

Atualizado: 5 de fev.


Em meio à velocidade dos dias atuais, com o individualismo exacerbado dos países ocidentais, cuidar se torna um gesto de resistência, um abraço silencioso no caos da modernidade. Mas a resistência maior reside naquela que, num ato de contrariedade e rebeldia, se permite ser cuidada.


Cada ação de abnegação em favor do outro, tece a rede que nos une num mundo que, por vezes, esquece a beleza do simples e do humano na frenética necessidade neocapitalista de produção contínua.


Desde cedo, aprendemos que somos aquelas que cuidam: dos filhos, dos pais, dos amigos, da casa. Mas, será que conseguimos permitir que cuidem de nós, ou será que demonstrar certa vulnerabilidade se torna algo quase insuportável de enfrentar? Como mulher, percebi como a sobrecarga de responsabilidades, especialmente maternas, nos empurra para um lugar onde o cuidado próprio vira uma questão esquecida. Eu já me senti exaurida ao tentar dar conta de tudo e de todos, e você?


Hoje, ao refletir sobre o ato de cuidar e ser cuidado, me vejo imersa em uma experiência que, acredito não ser exclusiva. Desde muito jovem, fui ensinada que o cuidado é uma virtude – algo a ser cultivado, oferecido e, sobretudo, exigido de nós mesmas. No entanto, com o passar dos anos, percebi que essa missão, tão nobre à primeira vista, carrega em si um paradoxo profundo: enquanto nos dedicamos com afinco a cuidar dos outros, nos esquecemos, ou até nos proibimos de ser cuidadas.


Essa dinâmica de cuidar e ser cuidada se manifesta de maneira intensa na vida de muitas mulheres, especialmente naquelas que, como eu, vivenciaram a sobrecarga materna e a constante expectativa de que sempre sejamos a base, a fortaleza, o suporte para todos ao nosso redor. Em nossa sociedade, o cuidado é frequentemente visto como uma responsabilidade feminina, algo intrínseco ao nosso ser, ao ponto de, muitas vezes, colocarmos as necessidades dos outros acima das nossas. Crescemos ouvindo que, para ser uma boa mãe, esposa, amiga ou profissional, é preciso estar sempre disponível, sempre pronta para atender, sempre disposta a sacrificar um pouco de si em prol do bem-estar alheio. Me sentia constantemente insuficiente, como se houvesse sempre algo faltando – seja mais tempo, mais paciência, mais energia para me dedicar a tudo e a todos. O que é mais doloroso, porém, é a dificuldade de reconhecer e depois externalizar essa sobrecarga. Há uma vulnerabilidade intrínseca em admitir que precisamos de apoio, que não somos infalíveis, que nosso corpo e nossa mente também clamam por um pouco de ternura e atenção.


O que percebo hoje é que ser cuidada, de fato, exige coragem. É preciso abrir mão da postura de super-heroína e reconhecer que somos humanas, com limites e fragilidades. Essa aceitação, contudo, nem sempre vem fácil. Muitas vezes, nos sentimos culpadas ou fracas por precisarmos de um tempo para nós mesmas, por pedir ajuda ou por simplesmente recusar um compromisso que nos sobrecarrega.


É curioso como a sociedade valoriza tanto o ato de cuidar que, muitas vezes, esquecemos que ele deve ser uma via de mão dupla. Não se trata de abandonar as responsabilidades, mas de reconhecer que, para cuidar bem dos outros, é essencial que também cuidemos de nós.


Além disso, é crucial reconhecer que o cuidado não pertence a um gênero específico, e que os homens, historicamente incentivados a se aproveitarem de todo o trabalho de cuidado exercido por mulheres, também têm muito a ganhar ao se permitirem experimentar esse sentimento de abnegação e doação. Ao assumir o papel de cuidador, o homem se liberta dos grilhões dos estereótipos e descobre uma dimensão mais rica e humana de si mesmo, onde a vulnerabilidade não é sinal de fraqueza. Quando homens se engajam nesse espaço de cuidado, eles ajudam a desconstruir barreiras e a transformar a sociedade, mostrando que o ato de cuidar é uma expressão de coragem e sensibilidade, capaz de promover relações mais profundas e equilibradas.


Ao final, o cuidado se revela como uma troca poderosa, onde a coragem de se permitir ser cuidado se fundamenta na sinceridade de reconhecer nossa humanidade.

Posts recentes

Ver tudo
Roda de Vivências com Denise Auad

A Profa. Dra. e Mestre pela Faculdade de Direito da USP Denise Auad foi minha professora na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo...

 
 
 

Comentários


Post: Blog2_Post

Dualidades Literárias 

São Paulo, SP, Brasil

11985809008

Formulário de inscrição

Obrigado(a)

©2022 por Karen Regina. Criado com Wix.com

  • Instagram
  • Instagram
  • Instagram
bottom of page