3. Pertencimento e autoestima
- Karen Regina Amorim Carmo
- 11 de jun. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 5 de fev.
Pertencimento e autoestima são dois universos que, para mim, se entrelaçam profundamente na construção do meu ser. Desde a infância, aprendi – muitas vezes de forma silenciosa e imperceptível – que a busca pela validação e o desejo de pertencer a um grupo são forças que nos moldam.
Na Faculdade de Direito, aprendi como todo aluno desse curso, que somos seres gregários, ou seja, temos a tendência a vivermos em bando, destinados a nos inserir em grupos e redes de convivência que, muitas vezes, exigem de nós a adesão a acordos, alguns explícitos e outros velados, para sermos pertencentes à um grupo.
Enquanto mulheres nessa sociedade, fomos envolvidas por pactos que não escolhemos, mas que moldaram nossa identidade e nos posicionaram em uma busca incessante por aceitação e pertencimento. Esses acordos – que ditam como devemos agir, sentir e até mesmo nos expressar – muitas vezes nos restringem e impõem padrões que não refletem nossa essência, levando-nos a sacrificar partes de nós mesmas para manter a sensação de ser parte de algo maior. Ao longo da minha trajetória, essa vivência se mostrou um constante desafio: conciliar a necessidade de pertencer com o desejo de permanecer eu mesma, com todos os meus exageros e nuances.
Essa reflexão ressoa de forma especial quando relembro as palavras e a sensibilidade presentes em "Prateleira do Amor", de Valeska Zanello, obra que nos convida a repensar os vínculos e os acordos invisíveis que regulam nossas relações, desafiando-nos a reconstruir um espaço onde o amor-próprio possa, enfim, ser o alicerce de nossa existência.
Esse anseio por pertencimento se torna um espelho onde a nossa autoestima se reflete, influenciada pelas relações que construímos desde os primeiros anos de vida.
A psicanálise nos revela que o “eu” se forma na intersecção entre o mundo interno e as experiências vividas na infância, onde os primeiros vínculos – com a família, com os cuidadores – criam a base sobre a qual edifica-se nossa autoconfiança. Se esses primeiros laços foram marcados por afeto e reconhecimento, a autoestima floresce; se, por outro lado, eles foram permeados por críticas ou rejeições, carregamos conosco feridas profundas que se manifestam em nossa maneira de nos relacionarmos com o mundo. Por muito tempo, vivi(?) com a sensação de que precisava me encaixar, temendo que qualquer desvio pudesse me afastar daquele sentimento tão precioso de pertencimento.
A maternidade, entretanto, trouxe consigo uma revolução interna que abalou minha autoestima de formas inesperadas. Ao me tornar mãe, vi meu corpo e meu papel social se transformarem radicalmente. Enfrentei a difícil tarefa de me reconstruir em um novo corpo – que não era apenas o meu, mas o abrigo de uma nova vida – e de assumir um papel que, ao mesmo tempo em que exalava amor e entrega, também me confrontava com uma série de inseguranças. Essa transição, muitas vezes, foi marcada por uma sensação de perda do “eu” que eu conhecia, e pela constante comparação com os padrões idealizados da maternidade. Foi nesse período de reconstrução que percebi o quão frágeis podem ser as estruturas de nossa autoestima, e como experiências traumáticas – sejam elas pessoais ou advindas da pressão social – podem minar a confiança de uma mulher em si mesma. Nesse processo de resgate, grupos de leitura feministas foram fundamentais para mim. Ao compartilhar experiências e discutir teorias encontrei um espaço seguro para questionar os padrões impostos e resgatar minha identidade. Essas rodas de conversa permitiram que eu compreendesse que pertencer não significa se conformar, mas sim reconhecer e abraçar a pluralidade de experiências que me definem e que a luta por pertencimento e autoestima também é uma demanda política. A sociedade, ao perpetuar estereótipos e padrões inatingíveis, atua sobre a psique feminina de maneira que reforça a ideia de que somos constantemente responsáveis por atender às expectativas alheias. É nesse contexto que o feminismo se torna instrumento de libertação. Discutir o direito das mulheres à autonomia, à construção de uma identidade livre das amarras do preconceito e das imposições, é fundamental para que possamos, coletivamente, romper com essas estruturas que tanto nos oprime.
É preciso aceitar que a autoestima não é um bem estático, mas sim uma construção diária, permeada pelas relações que estabelecemos – tanto com nós mesmas quanto com os outros. No fim, o verdadeiro pertencimento surge quando, libertas dos padrões impostos, nos permitimos ser inteiras, com todas as nossas contradições e singularidades.


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