2. Viés cognitivo e preconceito
- Karen Regina Amorim Carmo
- 11 de jun. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 5 de fev.
De acordo com o Google, os vieses cognitivos são atalhos mentais usados pelo cérebro para tomar decisões. Assim, eles não consideram a lógica e seguem apenas o padrão de outras experiências pessoais que já ocorreram.
Pensando nisso, podemos dizer que a questão do viés cognitivo e os preconceitos dele advindo estão relacionados com o fato de como nossos olhares estão carregados de nuances inconscientes que modelam nosso pensamento e ações. Muitas vezes, agimos seguindo padrões e estereótipos sem perceber suas origens.
A conexão entre psicanálise, sociologia, história e o Marxismo histórico-dialético nos ajuda a entender como esses aspectos impactam nossas vidas, principalmente quando falamos de mulheres, pessoas com deficiência, negras, indígenas etc.
Ao longo da minha jornada, venho me dando conta de que como enxergamos o mundo e o que acontece nele depende e muito da forma subliminar que esses vieses nos atravessam, já que moldam nossa maneira de pensar, de agir e até de nos relacionarmos com o outro.
É como se, desde o nascimento, fôssemos moldados por um conjunto de ideias e valores que, sem que percebêssemos, operam em nosso inconsciente, formando o terreno fértil onde germinam tanto nossos acertos quanto nossos erros.
A psicanálise nos ensina que grande parte de nossas ações e reações está enraizada no inconsciente, aquele espaço onde se acumulam memórias, traumas e experiências que muitas vezes escapam à lógica da razão. Lacan, por exemplo, já enfatizava como a linguagem e os símbolos que nos cercam estruturam o nosso ser, criando um campo de significados que nos influencia profundamente. Assim, os viés cognitivos – essas tendências automáticas e quase irreversíveis em nosso pensamento – surgem justamente como mecanismos de defesa e simplificação, que, embora úteis em determinadas situações, também podem ser os responsáveis por perpetuar preconceitos e estereótipos.
Ao mesmo tempo, a sociologia nos mostra como o ambiente em que vivemos, com suas regras, normas e expectativas sociais, nos condiciona a enxergar o mundo por meio de lentes já pré-configuradas. Somos constantemente bombardeados por imagens e narrativas que reforçam ideias pré-concebidas, seja sobre o papel da mulher na sociedade, seja sobre as diferenças entre as raças, classes ou culturas. Essa formação histórica do pensamento, analisada também a partir da perspectiva do marxismo historico-dialético, evidencia como as estruturas de poder e dominação se perpetuam ao longo do tempo, moldando nossa consciência e nossos comportamentos. A ideia é que nosso pensamento não se origina no vazio, mas é o produto de um processo histórico-social, onde as relações de poder e as contradições da sociedade reproduzem padrões que favorecem a manutenção de um status quo.
No contexto das vivências femininas, essa dinâmica se torna ainda mais complexa e, ao mesmo tempo, reveladora. Muitas vezes, me peguei refletindo sobre como, mesmo ciente dos estereótipos que nos são impostos – e que, de certa forma, sabemos serem limitantes e, por vezes, prejudiciais – acabamos reproduzindo-os em nossas atitudes e escolhas. Desde cedo, fomos ensinadas a comportar-nos de determinadas maneiras, a valorizar certos comportamentos e a desprezar outros. Essa educação, que mistura elementos culturais, sociais e até políticos, vai impregnando nosso inconsciente e nos faz agir de forma automática, como se estivéssemos apenas cumprindo um roteiro já escrito. E, ironicamente, na tentativa de nos libertarmos dessas amarras, muitas vezes acabamos por reforçá-las, contribuindo para a manutenção de uma visão estreita e preconceituosa sobre nós mesmas e sobre o mundo que nos cerca.
Como mulher e mãe, percebo diariamente como a pressão para se conformar a certos padrões – seja de perfeição, de dedicação ou de abnegação – se torna um fardo pesado e, ao mesmo tempo, internalizado. Essa imposição não apenas limita a nossa liberdade de sermos nós mesmas, mas também cria um ciclo de autojulgamento. A exigência de corresponder a esses padrões, enraizados em tradições e expectativas históricas, contribui para que o viés cognitivo se perpetue, afetando tanto a forma como nos vemos quanto a maneira como educamos nossos filhos e filhas.
A construção de estereótipos sobre quem somos e de onde viemos surge de séculos de narrativas que buscaram justificar a desigualdade e a exploração, marcando de forma profunda a identidade daqueles que foram historicamente marginalizados. Essas ideias foram cuidadosamente elaboradas e disseminadas para manter estruturas de poder que beneficiavam uns à custa de outros. Essa herança, infelizmente, ainda persiste, e nosso olhar carregado por essa bagagem muitas vezes reproduz e reforça essas desigualdades, impedindo que possamos enxergar a riqueza da diversidade humana.
Ao refletir sobre tudo isso, percebo que o desafio de desconstruir nossos preconceitos e estereótipos é tanto individual quanto coletivo. Reconhecer que carregamos em nós um legado de pensamentos que nem sempre escolhemos adotar é o primeiro passo para uma mudança genuína. Não se trata de uma tarefa simples: é preciso coragem para olhar para dentro de si, identificar aquelas ideias que foram implantadas sem questionamento e, muitas vezes, aceitar que estamos reproduzindo padrões que, na verdade, nos aprisionam. Essa autoanálise, embora dolorosa, é necessária para que possamos reconfigurar nossa maneira de pensar e agir, abrindo espaço para uma visão mais plural e inclusiva do mundo. Em minha própria experiência, tenho buscado – e ainda busco – esse processo de desconstrução. Tenho aprendido a questionar as narrativas que me foram ensinadas e a identificar, nos momentos mais sutis, os traços de preconceito que podem estar presentes em minhas atitudes e escolhas. Sei que essa jornada não é linear, e que os resquícios de um passado repleto de imposições podem, de vez em quando, emergir sem aviso. Contudo, cada pequena vitória, cada reconhecimento sincero de uma falha ou um preconceito internalizado, representa um passo importante rumo a uma vida mais consciente. Quando nos reunimos – seja em rodas de conversa, em grupos de estudo ou mesmo em encontros informais – temos a oportunidade de ouvir diferentes perspectivas e de perceber que, apesar das diferenças, compartilhamos muitas das mesmas lutas internas. Essa troca é essencial para que possamos, coletivamente, construir uma sociedade mais justa e igualitária.


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